[0283] Korreio..
(Sátira aos homens quando estão com gripe)
[ António Lobo Antunes, escritor ]
Pachos na testa,
terço na mão,
uma botija,
chá de limão
Zaragatoas,
vinho com mel,
três aspirinas,
creme na pele
Grito de medo,
chamo a mulher:
Ai Lurdes, Lurdes
que vou morrer!
Mede-me a febre,
vê-me a goela,
cala os miúdos,
fecha a janela.
Não quero canja,
nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes
não vales nada!
Se tu sonhasses
como me sinto,
já vejo a morte
nunca te minto
Já vejo o inferno,
chamas, diabos,
anjos estranhos,
cornos e rabos
Vejo demónios
nas suas danças
tigres sem listras,
bodes sem tranças
Choros de coruja,
risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes
fica comigo
Não é o pingo
de uma torneira,
Põe-me a Santinha
à cabeceira
Compõe-me a colcha,
fala ao prior,
pousa o Jesus
no cobertor.
Chama o Doutor,
passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes
nem dás por nada!
Faz-me tisanas
e pão de ló,
não te levantes
que fico só
Aqui sózinho
a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes
que vou morrer!
Enviado por: Ana Paula (Braga, Portugal)
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