::Critica a Mente::

segunda-feira, dezembro 13, 2004

[0118] As estrelas da blogosfera..

Ainda a propósito das estrelas da blogosfera aqui vai a reportagem na íntegra publicada na Noticias Magazine de 05.DEZ.2004

Texto de: Ana Markl
FORA DO CIBERESPAÇO SÃO ANÓNIMOS. Podem até ser o nosso melhor amigo, o vizinho com quem embirramos ou alguém na paragem do autocarro, mas raramente conseguimos identificá-los. Sob um pseudónimo, escrevem o que sentem e fidelizam leitores cibernautas - quem são estas novas figuras de culto?

No ciberespaço, há espaço para todos. Ao longo dos anos noventa, foi-se tornando cada vez mais fácil conseguir um lugar na rede sem ser preciso perceber grande coisa de informática. O acesso sempre foi livre e, até há pouco tempo, o único obstáculo à criação de um site pessoal era, para uma grande maioria, o desconhecimento da linguagem HTML - o código que permite a concretização de uma página na internet. No entanto, na segunda metade da década, o formato blog (diminutivo de weblog escancarou verdadeiramente as portas a todos os net-analfabetos: o suporte está lá, como uma folha em branco, apenas à espera das palavras ou imagens que qualquer um queira tornar públicas por nenhuma razão em especial. É através das referências entre blogs (através de links) que se criam as comunidades de bloggers que, por sua vez, formam a chamada blogosfera. São nomes aparentemente esquisitos para unia simples partilha de experiências, opiniões - seja o que for. Mas a urna escala que começa a ser difícil de calcular.
Em Portugal, este espaço pronto-a-escrever com cariz de diário pouco íntimo aliciou mesmo quem já tinha o seu próprio tempo de antena no «mundo real». José Pacheco Pereira criou o Abrupto (abrupto.blogspot.com); Miguel Esteves Cardoso aproximou-se do formato com o site Pastilhas (pastilhas.blogspot.com); Francisco José Viegas mantém o Aviz (aviz.blogspot.com). Houve até jornalistas a fazer guerra política nos seus blogs: de um lado, Pedro Mexia, Pedro Lomba e João Pereira Coutinho com A coluna Infame (colunainfame.blogspot.com); do outro, a resposta dos colegas José Mário Silva e Manuel Deniz Silva, com o Blog de Esquerda (blog-de-esquerda.blogspot.com). Aconteceram ainda fenómenos como a passagem de um blog ao formato televisivo - o Gato Fedorento (gatofedorento.blogspot.com) com os guionistas das Produções Fictícias Ricardo Araújo Pereira, José Diogo Quintela, Tiago Dores e Miguel Góis. E um outro, que se tornou best-seller - O Meu Pipi (omeupipi.blogspot.com) que, ainda que nunca se tenha confirmado a identidade do autor, foi dado como certo que se tratava de alguma figura conhecida do jornalismo ou da literatura.
Mas a blogosfera portuguesa faz-se também - e sobretudo - dos desabafos, opiniões ou quaisquer devaneios da autoria de desconhecidos (muitas vezes sob pseudónimos), desde a pré-adolescente apaixonada ao merceeiro que é político nas horas vagas. E alguns deles acabam por ganhar notoriedade ou, pelo menos, chegam a gerar cultos consideráveis na blogosfera sem que, no entanto, tenham qualquer expressão fora dela. Tornam-se personagens interessantes ao transformar o quotidiano em narrativa, tornam-se opinadores respeitados, poetas admirados ou humoristas involuntários. Têm seguidores e até mesmo clubes de fãs e, no entanto, poucos conhecem a sua verdadeira identidade. E, de facto, não é isso que interessa. Interessa que são estas estrelas anónimas que ameaçam os media tradicionais, competindo com as suas funções informativas e formativas, com os seus colunistas, críticos e comentadores e tendo, como trunfo, uma incontrolável liberdade de expressão. Interessa que nascem na blogosfera promissores criativos. E interessa saber porque é que o que eles escrevem nos interessa.

Xobineski Patruska
Xobineski Patruska (xobineskipatruska.blogspot.com) é o nome do blog e também da personagem que o assina. Xobineski não deve ser confundida com a tímida estudante universitária de 18 anos, nascida na Maia, que conversou comigo no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian - aliás, qualquer semelhança entre a timidez da pessoa e o humor acutilante da personagem é, supostamente, pura coincidência. Muitos leitores julgam que ela é um ele ou que já deixou de ser teenager há muito. Ela, por sua vez, gosta de deixar em aberto todas as possibilidades - a partir do pseudónimo, talvez a fantasiem como «uma actriz pornográfica russa». O anonimato, além de dar azo a especulações divertidas, permite-lhe gozar com os elementos potencialmente cómicos do quotidiano (desde a estética dos pacotes de leite com chocolate à infelicidade de quem frequenta o metropolitano), sem comprometer a adolescente de ar frágil e responsável, aquela que se define como «por vezes chata» e nem por isso «particularmente engraçada». Aquela que passa discreta entre os amigos e que luta para que a mordaz Xobineski não lhe roube a identidade. É um caso complexo de esquizofrenia, dirão - ela confessa que, quando lhe descobrem o disfarce, a convivência entre a personagem e a sua criadora se torna difícil. «Depois de saberem que tenho o blog, deixo de existir e passam a ver-me como Xobineski. Se alguém me diz "gosto muito do teu blog", mudo logo de assunto. Sou muito tímida e, embora o blog tenha alguma ficção, muito do que escrevo é verdade. Por outro lado, há pessoas que me conhecem e dizem "o teu blog é engraçado, és muito engraçada, conta lá uma piada" e depois desiludem-se. Antes, ninguém conhecia o meu lado humorístico e agora começam a ver-me de outra maneira. Das piores coisas que me podem perguntar é: "Então, devo chamar-te Xobineski?" e, logo a seguir, "porquê Xobineski Patruska?".» Mas a pergunta tem de ser feita e Xobineski poderia responder apenas: «Inventei.» O problema é que, geralmente, os seus fãs não se satisfazem com explicações plausíveis e exigem que na origem do pseudónimo da autora esteja uma história mirabolante que alimente a mística do desconhecido. «Xobineski Patruska quer dizer pequena índia que trepa às árvores perto do rio das pérolas numa tribo qualquer da América Central.» Ou outra coisa qualquer em que queiram acreditar.
O blog Xobineski Patruska começou em Maio de 2003, produto de uma vaidade que, segundo a autora, é inerente a qualquer blogger. «Mesmo sendo tímida, uma pessoa gosta sempre de dar a sua opinião, de receber elogios. Um blog é feito para ser lido e comentado. Nunca fui a rapariga mais popular da minha escola secundária e, no entanto, sou capaz de ser a adolescente mais popular da blogosfera.» Aliás, Xobineski sempre teve uma noção muito peculiar, qual Anne Frank, da utilidade de um diário íntimo. «Quando era pequena escrevia diários, mas de forma semificcional, porque sonhava que, no dia em que rebentasse uma guerra, eles seriam encontrados e publicados - por isso, o que escrevia tinha de soar bem. Sempre achei que um diário não devia ser apenas para ser lido por mim anos mais tarde - isso seria extremamente aborrecido.» Por isso, o formato blog foi um verdadeiro achado, com todas as vantagens do anonimato, do imediatismo e da difusão da palavra. No início, não levava o projecto muito a sério, tinha em média duas ou três visitas por dia. Mas rapidamente se tornou um fenómeno de popularidade: o blog chega a ter 250 visitantes a aceder ao site num dia. «O grande boom deu-se com a interpretação que fiz da letra de uma música do João Pedro Pais - foi muito popular, teve muitos links e espalhou-se via e-mail.» Foi a partir daí que Xobineski Patruska percebeu que o segredo do sucesso estava na sua faceta crítica e cómica. Chegou a receber um e-mail, supostamente enviado pela manequim Evelina Pereira - uma das «vítimas» do seu humor cáustico - que acusava Xobineski de ser «gorda que nem um cavalo» e de ter uma «existência medíocre». O que muitos ainda não perceberam é que, antes de gozar com os outros, a blogger goza consigo mesma. O problema é que «há pessoas que levam isto demasiado a sério».
Um dia, porém, apercebeu-se de como é difícil fazer humor ácido com regularidade. «Decidi fechar temporariamente o blog porque estava a passar por uma fase muito serena da minha vida, em que não estava irritada com nada que me levasse a escrever. É como no livro do Nick Hornby, Como Ser Bom. Há uma personagem chamada David, um homem muito zangado que escreve uma coluna num jornal local. Quando decide tornar-se uma pessoa melhor, deixa de escrever porque já não se sente zangado com o mundo, já não precisa de dizer mal de ninguém e sente remorsos. Comigo aconteceu o mesmo.» A ausência foi sentida na blogosfera, ao ponto de ter sido criado um clube de fãs pelo também blogger e leitor assíduo Ginger Ale (tonicaginger.blogspot.com). A pedido de várias famílias, Xobineski voltou à blogosfera. E se um dia o contador de visitas deixasse de rodar e Xobineski Patruska perdesse os seus leitores? «Continuava a escrever, mas ficava muito triste. Era como começar do zero. Um blog que não seja lido perde a razão de ser.»
Blogs de referência: Tasca da Cultura (tascadacultura.blogspot.com), The Pirilampo Mágico Project (pirilampomagico.blogspot.com). Ginger Ale (tonicaginger.blogspot.com), Alta Fidelidade (top5records.blogger.com.br)

A causa foi modificada
Assina o blog como Maradona - tem 31 anos, é geólogo e prefere que ninguém saiba mais do que isto. Revelar o seu nome verdadeiro seria «uma chatice, porque sou um bocado paranóico». Nunca levou a sério a ideia de escrever, mas ganhou o gosto por tornar públicas as suas opiniões - principalmente as de carácter político - através do site criado por Miguel Esteves Cardoso, o Pastilhas. «De repente, no espaço de um mês, toda a gente que escrevia no Pastilhas criou o seu próprio blog.» Maradona, numa «onda quase narcísica», obedecendo à sua «tendência opinativa» natural e ao gozo de «mandar bitates», seguiu o mesmo caminho e criou A Causa Foi Modificada (acausafoimodificada.blogspot.com). «Não é que tenha uma necessidade assim tão imperativa de publicar as minhas opiniões, mas divirto-me muito a dizer disparates.»
O título, ao contrário do pseudónimo «aleatório» (que não representa qualquer tipo de alter ego, mas apenas lhe oculta a identidade), vem do nome de um dos bares por onde uma personagem de Malcolm Lowry vagueia, no livro Debaixo do Vulcão.
Maradona é quem serve ao balcão deste bar um cocktail «anárquico»: fala do que lhe apetece, insulta, critica, desdiz, elogia, cria a celeuma. «Só há uma regra: o que escrevo tem de ter a ver com os meus interesses - por exemplo, não falo de ballet. Nem de geologia.» Mas percebe-se, à primeira vista de olhos, que gosta muito de futebol e, sobretudo, de ser politicamente incorrecto e desalinhado. «Nunca fui polémico só por ser, sou apenas disparatado.» E, por isso, nem sempre compreendido: «As pessoas levam-me muito a sério. Às vezes acusam-me de ser arrogante mas infelizmente, até agora, fui muito pouco insultado. A minha coroa de glória foi um tipo que me chamou "paneleiro" e outros que me chamaram "fascista” e "reaccionário".» Digamos que na sua apreciação dos acontecimentos - políticos, culturais ou futebolísticos - é simplesmente... idiossincrático. E é também um malabarista das ideias: por exemplo, consegue dizer bem e mal de George W. Bush e de John Kerry ao mesmo tempo. É contra seguidismos, a não ser talvez clubísticos.
Entre os bloggers entrevistados, Maradona foi o único que parou para reflectir sobre a hipótese de vir a haver um controlo sobre os conteúdos dos blogs. «Como disse há pouco tempo o João Pereira Coutinho (http://www.jpcoutinho.com) - e eu nem sempre concordo com ele -, as pessoas têm de ser responsabilizadas pelas consequências do que dizem nos seus blogs. Provavelmente, algum dia vai ter de se pôr limites. No entanto, é assustador pensar nisso como censura. Chateia-me que se arranjem maneiras políticas de impedir as pessoas de dizerem o que querem. Tudo o que seja opinião pessoal, nem que seja racista, deve existir na blogosfera, mas não se pode usar um blog para se ensinara fazer uma bomba nuclear.»
Só ao fim de um ano é que Maradona se apercebeu de que A Causa Foi Modificada era lido por um número considerável de pessoas, fora do círculo dos amigos ex-frequentadores do site Pastilhas. Durante muito tempo, não teve sequer um contador de visitas mas, a partir do momento em que o instalou, ficou «obcecado». «Não faço mais nada senão comparar o número de visitas do meu blog com o dos outros», brinca. Porque há quem viva na blogosfera em função dos números - na origem do problema, em vez de um ego saudavelmente grande, está uma falta de auto-estima muito maior. Na verdade, Maradona não é obsessivo mas confessa: «Um blogger escreve porque os outros lêem e respondem. Geralmente, o que o motiva é 70 por cento de vaidade e 30 por cento de divertimento.» Mas não se trata apenas de um exercício de diversão e amor-próprio e, por vezes, é quase serviço público. Há quem não dispense esta nova espécie de «revista de imprensa», ou seja, há quem já não enfrente uma conversa de café sem antes dar uma vista de olhos por alguns blogs. Os bloggers - os mais políticos, entenda-se - acabarão por se tornar, segundo Maradona, opinion-makers reconhecidos. «A dispersão de opiniões vai ser cada vez maior e vai dar-se cada vez mais importância a pessoas que não a têm... e que, se calhar, nem a merecem - a prova é o facto de eu estar a ser entrevistado.»
Blogs de referência: Bomba Inteligente (bomba-inteligente.blogspot.com), Contra a Corrente (contra-a-corrente.blogspot.com), Avenida Vastulec (avenidavastulec.blogspot.com), Voz do Deserto (vozdodeserto.blogspot.com),
Mood Swing (moodyswing.blogspot.com).

O feminino de blog
Farinha Amparo (farinhamparo.blogspot.com) e Bomba Inteligente (bomba-inteligente.blogspot.com) são os nomes de dois blogs que, sendo diferentes, têm em comum um estilo feminino e cáustico, a convivência explosiva entre as trivialidades a que a condição feminina obriga (moda, dietas, compras - tudo devidamente tratado com sentido de humor e autocrítica) e assuntos como poesia, filosofia, cinema, política ou música, abordados com sentimento e seriedade ou achincalhados com muita classe.
Didas, pseudónimo da aveirense de 42 anos que assina o Farinha Amparo, é a Padeira de Aljubarrota da blogosfera. Usa o imaginário do pão para amassar histórias do quotidiano e críticas mais ou menos ferozes. «O pão tem uma carga simbólica fortíssima. A civilização ocidental cristã assenta toda nele. Miguel Torga escreveu um texto fantástico sobre o catolicismo, urna religião com um ritual canibal onde se come o corpo de Cristo (em forma de pão) e se bebe o seu sangue. Isto é tudo muito dramático. E eu sou muito dramática e exagerada.» Embora tenha a noção de que ganhou alguma notoriedade através do seu blog - pelo menos no sentido em que mais pessoas ficaram a saber da sua existência -, Didas nunca fez nada para o promover.
Aliás, ter público nunca foi grande preocupação. «Tenho montes de cadernos com os meus manuscritos e a maior parte foi parar ao lixo. É giro saber que alguém lê mas também pode não ler. Faz-me bem escrever coisas, nem que sejam listas da mercearia.» As visitas que o seu contador acusa podem simplesmente ser obra de bizarros acasos. «Muita gente cai no Farinha Amparo completamente ao engano, coitados, através de buscas que nada têm a ver com o espírito da coisa. A maior parte das vezes andam à procura de sexo doentio, tipo "bonecas insufláveis", "filmes porno com travestis" ou "sexo entre gigantes e anãs". A última vítima fez uma busca, digamos, intrigante: "Vídeos de sexo em Odivelas". Isto só evidencia o meu carácter ecléctico, claro.»
No Bomba Inteligente, deparamo-nos com um assumidíssimo nome completo: Carla Hilário de Almeida Quevedo. É tradutora e escreve movida não por uma necessidade de partilha de opiniões, mas «pelo prazer e divertimento». Pela primeira vez, em lugar de vaidade fala-se de exibicionismo. «Um blogger é um exibicionista que não saiu do armário.» E nem o título escapa ao abrir da gabardina - «foi o meu marido que deu o nome Bomba Inteligente, porque me acha sempre linda e esperta». O conteúdo, que vai «de Madonna a Kavafis», é assinado por Charlotte. Entidades distintas? «Adorava responder (deitada no divã) que sim e que se visitam diariamente e tomam chá com bolachinhas, mas não posso. Não são entidades distintas, embora queira acreditar que os bloggers não se resumem àquilo que escrevem. Alguns talvez - os mais aborrecidos na vida - mas não a maioria.» No entanto, sente a diferença do pós-blog, mudou a rotina e nem mesmo quando está em viagem, deixa a Bomba ao abandono. Qualquer situação propicia uma frase, um poema citado, uma sugestão. É esse imediatismo do blog que favorece não só a urgência do autor como a do leitor. «A meu ver, a grande força está no facto de os blogs se destacarem da imprensa tradicional - têm o seu próprio ritmo, muito rápido, e não se substituem a nada. É uma espécie de cereja cada vez mais apetecida no topo de um bolo aborrecido.»
Blogs de referência: Didas: RPM (r-por-minuto.blogspot.com), Historias de Uma Pobre Menina Rica (menina-rica.blogspot.com), Cacaoccino (cacaoccino.blogspot.com), Elasticidade (elasticidade.blogspot.com).. entre muitos outros. Charlotte: A Causa Foi Modificada, Abrupto, Gato Fedorento, Contra a Corrente, Homem a Dias (homem-a-dias.blogspot.com). Fora do Mundo (foradomundo.blogspot.com).

Procure o seu próprio espaço em www.blogger.com

Existem outros mais que a repórter num referiu para o alojamento de um blog.. entre eles alguns cá no condado: http://blogs.sapo.pt/ ou ainda o http://weblog.com.pt/

Houve ainda um comentário à reportagem pelo blogger lasantos em http://atrium.weblog.com.pt/arquivo/169252.html